terça-feira, 3 de maio de 2011

Porto Alegre a Torres, pelas lagoas.


Bernardino de Senna Campos

No dia 28 de fevereiro de 1894 o Telegrafista-Chefe da turma, Santo Elias, avisou-me que eu ia ser removido. Desta vez para mais próximo da minha terra. Era para Torres, extremo norte do Estado.

Felizmente, no dia 4 de março tive ordem do Engenheiro-Chefe para ser desligado da estação e preparar-me para seguir para Torres, junto com uns oficiais da Divisão do General Artur Oscar, que estacionava naquela localidade, cuja oficialidade, licenciada na Capital, teve ordem de regressar a seus corpos. Entre eles, inclusive, estava o Major Firmino L. Rego, filho de Santa Catarina.

Remoção para Torres

Como disse acima, fui removido para Torres a 4 de março de 1894.
Embarcamos no dia 6 do mesmo mês, às 6 horas da manhã, no trapiche do Arsenal da Guerra, conjuntamente com uns 25 oficiais do exército e muito fardamento, armas e munições para a Divisão.
Na véspera para não perder a viagem, hospedei-me no hotel Siglo perto da Alfândega, onde estavam hospedados os oficiais.

No vapor "Frederico Hanse"

Tendo comparecido ao nosso embarque o Dr. Júlio de Castilhos, Presi­dente do Estado, o Eng. Dr. A. Guilon, e algumas outras autoridades, partimos às 6:30. Perdemos logo de vista a bela cidade de Porto Alegre, deixando-me tristes recordações! (Só voltei ali 17 anos depois).
Às dez horas da manhã, o vapor, deixando o rio Guaíba e a Lagoa dos Patos, entrou na Lagoa de Palmares. Andando todo o dia 6 com pouca marcha, devido aos baixios da lagoa, à noite fundeamos na emboca­dura do rio Palmares.
Suspendendo o ferro, no dia 7, às 6 horas da manhã, chegamos a Palmares às duas horas da tarde, ficando o vapor muito longe do porto daquela povoação. Tivemos que ir em botes, que tem o nome de caíques.

Palmares

Desembarcando, hospedamo-nos num grande galpão de madeira, no porto de Palmares, pertencente a um Diehl, até a chegada de umas 20 carretas, que deviam estar ali nos esperando, para conduzir o armamento a Conceição do Arroio (Osório). Dali ia num outro vaporzinho. Ali esperá­vamos encontrar cavalo para nós.
Hospedamo-nos aí até o dia 10 de março de 94, quando partimos para Vila Conceição, tendo chegado na véspera uns 50 cavalos para nos conduzir, assim como carretas.
Não tendo eu trazido arreios, porque foi coisa que nunca tinha possuí­do, e era impossível fazer uma viagem de dez léguas montado em pêlo, por informações de algumas pessoas, pedi um lombilho emprestado ao coletor daquele lugar, um bom moço, por nome Pedro Amaral, que, cavalheiramente, emprestou-me e que devolvi de Conceição, escreven­do-lhe um cartãozinho, agradecendo.
Saímos de Palmares no dia 10, ao meio-dia: 25 oficiais e umas 25 praças da Guarda Nacional, ou Patriotas, como chamavam-se naqueles tempos os guardas-civis, debaixo de festas, gauchadas e carreiras pelo campo, todos divertindo-se ...
Chegamos no mesmo dia, às seis horas da tarde, numa fazenda denomi­nada "Pitangueiras". Aí pernoitamos, depois de jantarmos um carneiro ou dois que o dono da casa mandou matar para nós, divertindo-me muito por ver laçá-Ios.

Conceição do Arroio

Pernoitando na fazenda das "Pitangueiras", a 5 léguas de Conceição, partimos no dia 11 de março, às 7 horas da manhã, chegando à Vila Conceição do Arroio ao meio-dia. (Essa mudou o nome para Os6rio, em 1911). Hospedamo-nos, alguns num hotel, outros na casa de um tal Bran­dão, comandante do destacamento, chefe político, que morava s6. Eu hospedei-me em casa de meu colega telegrafista Mesquita encarregado da Estação.
A Vila de Conceição é de aspecto pobre e triste, mormente naquela época da Revolução, edificada junto a um morro que a divide da Serra. O morro faz frente a leste, donde descortina-se a vila, embaixo, e os campos, a perder de vista, ao norte, sul e leste, e inúmeras lagoas, rios, banhados, etç:. Tem pouca edificação, a não ser na praça, que é fechada de casinhas. Dentro, no centro, sua igreja, naquele tempo velha, com uma só torre. Do lado direito, fundos ao sul, o teatro e uma capelinha do Espírito Santo. Ao norte, ao lado esquerdo da praça, tem um pequeno sobrado, bem em frente à igreja, com frente para esta e para o morro. Numa pequena e modesta casinha está instalada a estação telegráfica. No correr desta e no canto da praça, uma grande casa antiga. É a municipa­lidade, que está servindo de quartel!
Fui muito atenciosamente acolhido pelo meu colega Mesquita, tele­~rafista de 2~ classe e já velho, cuja família compunha-se da senhora e de uma filha de ambos.
No dia 12 de março recebemos de Porto Alegre notícias que a esquadra qu(' () Governo Legal, Marechal Floriano Peixoto, mandara comprar na Euro
pa para bater os revoltosos, visto a nossa ter-se também revoltado, tinha chegado ao Rio de Janeiro e que os revoltos os no Rio tinham-se rendido ao Governo, havendo grande fracasso da Revolução.
Foi um dia e noite de regozijo na oficialidade, em Conceição. Soltaram muita foguetada. Aparecendo a música local, â noite houve passeata, discur­sos e bebedeira.

PingueIa

No dia 13 de março partimos todos com as carretas da munição, armamento, etc., para o porto da Pinguela, margem da lagoa do mesmo nome, ao norte da vila, légua e meia, a fim de tomarmos passagem num vaporzinho que faz viagens dali para Torres.
Chegando ali, tivemos a infausta notícia de que o referido vapor não tinha chegado de Torres, para onde tinha ido dois dias antes.
Na Pinguela existia outro grande galpão de tábuas, na beira da lagoa, depósito de pipas de aguardente. Pertencia, este galpão a um irmão do Diehl de Palmares, tendo junto uma pequena casa de negócios. O proprie­tário residia ali com sua família.
Felizmente, no dia 13 de março avistamos ao longe, noutro extremo da lagoa, onde há um sangradouro que dá passagem para outra grande lagoa, Lagoa dos Quadros, o nosso vapor, que vinha, a vara e vela. Má notícia!
Chegou, pouco depois o "Itapeva", nome do tal vapor, e era de rodas nos seus lados. Com a máquina partida, tinha-se quebrado um dos eixos das asas-rodas.
Existindo pouco distante dali, ao sul, uma grande destilação, num grande edifício, onde era também olaria e ferraria, o proprietário do vapor prometeu a um dos maquinistas e um ferreiro da destilação um conto de réis, para, em dois dias, darem a peça pronta e consertada, trabalhando os homens dia e noite: Conseguiram, no dia 16 dar a obra pronta. Colocan­do-a, fizeram experiência no vaporzinho e embarcamos nesse mesmo dia. Partimos para Torres no tal "transatlântico" "Itapeva", passando imensas lagoas e sangradouros, indo os passageiros (oficiais), no vapor, e um iate e uma chata de ferro a reboque, carregados com armamentos, munição, etc. e algumas praças. Foi uma viagem muito morosa, devido â pouca marcha da embarcação. Pernoitamos, na noite de 16 para 17, na entrada da Lagoa dos Quadros, saída do sangradouro da Lagoa da Pinguela. Saímos a 17, viajando todo esse dia e pernoitamos na embocadura da lagoa dos "Carnellos", lagoas e sangradouros cobertos de aguapés e abundantes de enormes jacarés, capivaras e pássaros aquáticos. Saímos daí a 18 e chegamos ao porto de Itapeva, distante da Vila de Torres légua e meia.
Aí encontramos o alferes Rosinha, alferes do 25º Batalhão e filho de Santa Catarina. Aqui esperava-nos com 25 cavalos. Logo desembarcamos. Às 4 horas da tarde montamos a cavalo e seguimos para Torres, todos em troça e pândegas.

Bernardino de Senna Campos
Organizado pelo Pe. João Leonir Dall’Allba
Memórias do Araranguá

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