sexta-feira, 27 de maio de 2011

Assim começou a aviação comercial em Torres.


"Muita gente acredita que com a construção do Aeroporto Regional de Litoral, na praia Paraiso, começa a era da aviação comercial  em Torres. Poucos sabem, porém, ela começa em 1927, ano em que a Varig inaugurou 3 vôos comerciais regulares Rio Grande-Pelotas-Torres, linha servida por 2 hidroaviões, o “Atlântico” e o “Gaúcho”, com tripulação e 6 passageiros. Aquaterrisava na lagoa da Itapeva, na ponta do porto dos Cunhas. O hidroavião pousava e uma canoa de porte médio apanhava os passageiros e levava-os para uma casinha às margens da Lagoa. Dali uma diligência conduzia os passageiros até a estrada do Casqueiro, via praia, até o Farol Hotel. Estes vôos duraram quase até os anos 50".

(fato relatado por Heitor Matos Carneiro)
O Almanaque das Torres
Sérgio Abel Anflor
maio/2000
produção: Jornal Gazeta

Hidroavião da foto:
Fairey Gordon – Aeronave de esclarecimento e bombardeio, versão anfíbia e terrestre, motor Armstrong Siddeley Panther de 550 hp, velocidade máxima de 145 mph, podendo carregar até 500 lb de bombas e ser armada com uma metralhadora Vickers à frente e uma outra Lewis no cockpit traseiro.
Foram adquiridas em 1931 pela Aviação Naval e utilizadas até 1943, quando foram desativadas pela FAB. (pesquisa: Pedro Inácio)

terça-feira, 3 de maio de 2011

Porto Alegre a Torres, pelas lagoas.


Bernardino de Senna Campos

No dia 28 de fevereiro de 1894 o Telegrafista-Chefe da turma, Santo Elias, avisou-me que eu ia ser removido. Desta vez para mais próximo da minha terra. Era para Torres, extremo norte do Estado.

Felizmente, no dia 4 de março tive ordem do Engenheiro-Chefe para ser desligado da estação e preparar-me para seguir para Torres, junto com uns oficiais da Divisão do General Artur Oscar, que estacionava naquela localidade, cuja oficialidade, licenciada na Capital, teve ordem de regressar a seus corpos. Entre eles, inclusive, estava o Major Firmino L. Rego, filho de Santa Catarina.

Remoção para Torres

Como disse acima, fui removido para Torres a 4 de março de 1894.
Embarcamos no dia 6 do mesmo mês, às 6 horas da manhã, no trapiche do Arsenal da Guerra, conjuntamente com uns 25 oficiais do exército e muito fardamento, armas e munições para a Divisão.
Na véspera para não perder a viagem, hospedei-me no hotel Siglo perto da Alfândega, onde estavam hospedados os oficiais.

No vapor "Frederico Hanse"

Tendo comparecido ao nosso embarque o Dr. Júlio de Castilhos, Presi­dente do Estado, o Eng. Dr. A. Guilon, e algumas outras autoridades, partimos às 6:30. Perdemos logo de vista a bela cidade de Porto Alegre, deixando-me tristes recordações! (Só voltei ali 17 anos depois).
Às dez horas da manhã, o vapor, deixando o rio Guaíba e a Lagoa dos Patos, entrou na Lagoa de Palmares. Andando todo o dia 6 com pouca marcha, devido aos baixios da lagoa, à noite fundeamos na emboca­dura do rio Palmares.
Suspendendo o ferro, no dia 7, às 6 horas da manhã, chegamos a Palmares às duas horas da tarde, ficando o vapor muito longe do porto daquela povoação. Tivemos que ir em botes, que tem o nome de caíques.

Palmares

Desembarcando, hospedamo-nos num grande galpão de madeira, no porto de Palmares, pertencente a um Diehl, até a chegada de umas 20 carretas, que deviam estar ali nos esperando, para conduzir o armamento a Conceição do Arroio (Osório). Dali ia num outro vaporzinho. Ali esperá­vamos encontrar cavalo para nós.
Hospedamo-nos aí até o dia 10 de março de 94, quando partimos para Vila Conceição, tendo chegado na véspera uns 50 cavalos para nos conduzir, assim como carretas.
Não tendo eu trazido arreios, porque foi coisa que nunca tinha possuí­do, e era impossível fazer uma viagem de dez léguas montado em pêlo, por informações de algumas pessoas, pedi um lombilho emprestado ao coletor daquele lugar, um bom moço, por nome Pedro Amaral, que, cavalheiramente, emprestou-me e que devolvi de Conceição, escreven­do-lhe um cartãozinho, agradecendo.
Saímos de Palmares no dia 10, ao meio-dia: 25 oficiais e umas 25 praças da Guarda Nacional, ou Patriotas, como chamavam-se naqueles tempos os guardas-civis, debaixo de festas, gauchadas e carreiras pelo campo, todos divertindo-se ...
Chegamos no mesmo dia, às seis horas da tarde, numa fazenda denomi­nada "Pitangueiras". Aí pernoitamos, depois de jantarmos um carneiro ou dois que o dono da casa mandou matar para nós, divertindo-me muito por ver laçá-Ios.

Conceição do Arroio

Pernoitando na fazenda das "Pitangueiras", a 5 léguas de Conceição, partimos no dia 11 de março, às 7 horas da manhã, chegando à Vila Conceição do Arroio ao meio-dia. (Essa mudou o nome para Os6rio, em 1911). Hospedamo-nos, alguns num hotel, outros na casa de um tal Bran­dão, comandante do destacamento, chefe político, que morava s6. Eu hospedei-me em casa de meu colega telegrafista Mesquita encarregado da Estação.
A Vila de Conceição é de aspecto pobre e triste, mormente naquela época da Revolução, edificada junto a um morro que a divide da Serra. O morro faz frente a leste, donde descortina-se a vila, embaixo, e os campos, a perder de vista, ao norte, sul e leste, e inúmeras lagoas, rios, banhados, etç:. Tem pouca edificação, a não ser na praça, que é fechada de casinhas. Dentro, no centro, sua igreja, naquele tempo velha, com uma só torre. Do lado direito, fundos ao sul, o teatro e uma capelinha do Espírito Santo. Ao norte, ao lado esquerdo da praça, tem um pequeno sobrado, bem em frente à igreja, com frente para esta e para o morro. Numa pequena e modesta casinha está instalada a estação telegráfica. No correr desta e no canto da praça, uma grande casa antiga. É a municipa­lidade, que está servindo de quartel!
Fui muito atenciosamente acolhido pelo meu colega Mesquita, tele­~rafista de 2~ classe e já velho, cuja família compunha-se da senhora e de uma filha de ambos.
No dia 12 de março recebemos de Porto Alegre notícias que a esquadra qu(' () Governo Legal, Marechal Floriano Peixoto, mandara comprar na Euro
pa para bater os revoltosos, visto a nossa ter-se também revoltado, tinha chegado ao Rio de Janeiro e que os revoltos os no Rio tinham-se rendido ao Governo, havendo grande fracasso da Revolução.
Foi um dia e noite de regozijo na oficialidade, em Conceição. Soltaram muita foguetada. Aparecendo a música local, â noite houve passeata, discur­sos e bebedeira.

PingueIa

No dia 13 de março partimos todos com as carretas da munição, armamento, etc., para o porto da Pinguela, margem da lagoa do mesmo nome, ao norte da vila, légua e meia, a fim de tomarmos passagem num vaporzinho que faz viagens dali para Torres.
Chegando ali, tivemos a infausta notícia de que o referido vapor não tinha chegado de Torres, para onde tinha ido dois dias antes.
Na Pinguela existia outro grande galpão de tábuas, na beira da lagoa, depósito de pipas de aguardente. Pertencia, este galpão a um irmão do Diehl de Palmares, tendo junto uma pequena casa de negócios. O proprie­tário residia ali com sua família.
Felizmente, no dia 13 de março avistamos ao longe, noutro extremo da lagoa, onde há um sangradouro que dá passagem para outra grande lagoa, Lagoa dos Quadros, o nosso vapor, que vinha, a vara e vela. Má notícia!
Chegou, pouco depois o "Itapeva", nome do tal vapor, e era de rodas nos seus lados. Com a máquina partida, tinha-se quebrado um dos eixos das asas-rodas.
Existindo pouco distante dali, ao sul, uma grande destilação, num grande edifício, onde era também olaria e ferraria, o proprietário do vapor prometeu a um dos maquinistas e um ferreiro da destilação um conto de réis, para, em dois dias, darem a peça pronta e consertada, trabalhando os homens dia e noite: Conseguiram, no dia 16 dar a obra pronta. Colocan­do-a, fizeram experiência no vaporzinho e embarcamos nesse mesmo dia. Partimos para Torres no tal "transatlântico" "Itapeva", passando imensas lagoas e sangradouros, indo os passageiros (oficiais), no vapor, e um iate e uma chata de ferro a reboque, carregados com armamentos, munição, etc. e algumas praças. Foi uma viagem muito morosa, devido â pouca marcha da embarcação. Pernoitamos, na noite de 16 para 17, na entrada da Lagoa dos Quadros, saída do sangradouro da Lagoa da Pinguela. Saímos a 17, viajando todo esse dia e pernoitamos na embocadura da lagoa dos "Carnellos", lagoas e sangradouros cobertos de aguapés e abundantes de enormes jacarés, capivaras e pássaros aquáticos. Saímos daí a 18 e chegamos ao porto de Itapeva, distante da Vila de Torres légua e meia.
Aí encontramos o alferes Rosinha, alferes do 25º Batalhão e filho de Santa Catarina. Aqui esperava-nos com 25 cavalos. Logo desembarcamos. Às 4 horas da tarde montamos a cavalo e seguimos para Torres, todos em troça e pândegas.

Bernardino de Senna Campos
Organizado pelo Pe. João Leonir Dall’Allba
Memórias do Araranguá

Torres (18 de março de 1894)


Bernardino de Senna Campos
Chegamos à Vila de Torres, às 7 horas da noite, do dia 18 de março de 1894. Saiu nesta ocasião uma carreta, conduzindo o General Artur Oscar, comandante da Divisão do Centro, estacionado em Torres, que ia doente para Porto Alegre, passando o comando ao Coronel Salustiano.
Chegando a Torres, hospedei-me num quarto da estação, e não fui muito bem recebido pelo meu colega Manoel A. de Souza, apesar de esse colega de Torres dar-se muito comigo pelo aparelho, quando estava em Porto Alegre ...
(Depois soube que foi devido a intrigas feitas de Porto Alegre por um colega, por nome Gaudino, que já esteve em Torres com o Souza).
A Vila de Torres é pobríssima e está situada em cima de uns rochedos junto ao mar. São três montes que se erguem na praia isolada, sendo o do Norte onde está edificada a vila. De longe e do mar os três montes parecem torres. Daí veio o nome. Tratam as torres como sendo do Norte, do Centro e do Sul. A vila, como disse, é na encosta da do Norte, lado da Serra, fazendo frente ao poente.
Tem uma única rua, de norte a sul, as casas do lado de baixo são nos fundos assobradadas e dão para uma lagoazinha que há abaixo do dito monte. Em cima deste está edificada a igreja de São Domingos, padroeiro da vila.
Há umas casinhas ao norte dela, ao norte da vila 2 quilômetros, no lugar que chamam Potrêiro, passa o Rio Mampituba, que faz divisa com o município de Araranguá, em Santa Catarina.
Próximo à igreja, para leste, descortina-se todo o oceano, para oeste, a cordilheira da Serra, para o sul, a praia sem fim, que vai a Tramandaí, Cidreira, e, afinal, Rio Grande, e para o norte, as praias pertencentes já à minha terra, Santa Catarina.
Avista-se também dali, a meia-légua mais ou menos da costa, uma parcela de pedras, onde dizem haver muitos lobos marinhos!

Divisão do Centro/ Artur Oscar

Estacionava naquela ocasião, em Torres, uma coluna do exército, com 2.000 homens, composta do 4°, 11° e 25° Batalhões, tendo a totalidade da oficialidade do 25° catarinense. Estavam ali para guarnecer as fronteiras do Estado.
Tinham regressado de Tubarão e Araranguá, onde tinham ido em perseguição dos revolucionários, tendo neste último lugar dado combate ao vapor "Itapemerim", armado em guerra.
Na estação de Torres, a qual estava instalada na primeira casa da vila, ao sul, com fundos para a lagoa, havia, como carteiro, um bom pardo, chamado Lourenço. Este obteve-me pensão em casa de um velho negociante da Capital, que estava com negócio ali e era fornecedor da Divisão, chamado Leonidas Brandão, pagando 50 mil-réis mensais, visto não haver hotel em Torres. Isto para as refeições.
Meu colega de Torres, que era casado há um ano, cuja mulher estava de cama por recaída de parto, tinha dado à luz poucos dias antes da minha chegada, cedeu-me um quarto para residir na estação.
Em Torres travei relações com todos os oficiais, especialmente do 25°, e com alguns catarinenses foragidos ali, vindos de Laguna, Tubarão e Araranguá, entre eles o Dr. Polidoro de Santiago, que morava na Laguna. Na margem esquerda do rio Mampituba, pouco distante, estava acampado um Corpo Cívico de 200 homens, organizado na Vila de Araranguá, pelo filho daquele lugar, Apolinário João Pereira, que era comandante, com o título de Coronel.
Todas as tardes, quando estava de folga, passeava a cavalo com alguns oficiais. Às vezes transpunha o Mampituba e vinha beber em Santa Cata­rina.
A esquadra dos revoltosos, tentando a última cartada, atacaram a cidade de Rio Grande, de que foram rechaçados. A Divisão teve, na tarde de 4 de abril de 94, a ordem de seguir para o sul, isto é, para Porto Alegre. Com eles seguiu também meu fornecedor Brandão. Passei a comer em casa de uma viúva que morava em frente à estação, pagando 60 mil-réis mensais.

Regresso da Divisão a Porto Alegre

Partindo a Divisão na manhã de 6 de abril, debaixo de música, toque de corneta, foguetes, mulheres e crianças montados em bois, cavalos magros, etc., parecia um bando carnavalesco. Ficou a vila de Torres tristís­sima, só com os poucos moradores, e, guarnecendo-a, o 16° Batalhão da Guarda Nacional, organizado ali mesmo, sendo comandado pelo Coronel Capa Verde, que foi meu colega telegrafista. ( ... )


Bernardino de Senna Campos
Organizado pelo Pe. João Leonir Dall’Allba
Memórias do Araranguá