sábado, 25 de setembro de 2010

Auguste de Saint-Hilaire

Viagem ao Rio Grande do Sul
Auguste de Saint-Hilaire
1779-1853

TORRES, 4, segunda-feira, 4 de junho de 1820. – Sempre areia e mar. Enquanto nos dias anteriores só avistávamos uma praia esbranquiçada que se confundia com o céu na linha do horizonte, hoje, ao menos, deparamos dois montes denominados Torres, por que realmente avançam mar adentro, como duas torres arredondadas.
Para as bandas do oeste, recomeçamos a avistar a grande cordilheira que há muito tempo não víamos.
Cerca de uma légua daqui, encontramo-nos à margem do rio Mampituba (pai do frio), que, atravessando a praia, se lança no mar, após separar a Província de Santa Catarina da Capitania do Rio Grande; passamo-lo do mesmo modo que o rio Araranguá. É também à guarda de Torres que se paga o pedágio. Continuando a viagem, chegamos aos montes que têm esse nome; um relvado muito rente ao chão, um pouco mais elevado que a praia, estende-se à beira-mar, acima do monte que fica mais ao norte.
Como há projeto de se localizar em Torres a sede de uma paróquia, começaram a construir aí uma igreja, da qual até agora existe apenas o madeiramento. Depois de passarmos por essa igreja, chegamos a um forte, cuja construção está sendo ultimada neste momento e junto ao qual se acha o alojamento dos soldados do posto e o do alferes que os comanda. Estas construções estão situadas no lado ocidental do monte, local donde gozei um panorama que se me afigurou mais encanta dor do que efetivamente era, por causa da monotonia dos areais áridos, batidos pelas ondas.
Quase ao pé do monte estende-se, paralelamente ao mar, um lago de águas tranqüilas e cercadas de altas ciperáceas; do outro lado,crescem matas em terreno plano. À direita vêem-se ainda areais puros e, por fim, o horizonte limitado pela grande cordilheira, cujo cimo forma um imenso planalto.
Chegado à residência do alferes, mostrei-lhe meus documentos, sendo muito bem recebido e hospedado numa peque na casa, onde ficarei sozinho e donde se avista o lago. A construção do forte, a que me refiro acima, estava em andamento, embora não se acreditas se na invasão espanhola. Mas desde Laguna até aqui, a costa é tão baixa e de tal modo castiga da pelas ondas, tão perigosas para as pequenas embarcações, que nem se podia imaginar que os inimigos delas ousassem desembarcar.
De qualquer modo, o forte está sendo levado adiante, voltado para o norte e podendo ser dotado de quatro peças de artilharia.
Empregaram-se em sua construção cerca de trinta prisioneiros, tomados a Artigas. À exceção de apenas um, os de mais são índios. Entretanto a maior parte revela traços de sangue espanhol. Uns vieram das Missões, outros de Entre-Rios e do Paraguai. Parece que só o gosto pela pilhagem os havia reunido como a tantos outros, sob a bandeira de seus chefes.
Esses homens são de estatura baixa, peito exageradamente largo, rosto de um bistre carregado, cabelos negros e lisos, pescoço muito curto, fisionomia verdadeiramente ignóbil. O alferes fez o elogio de sua docilidade.
Alguns haviam fugido com o propósito de voltar para os pagos, atravessando a grande cordilheira; mas, encontrando na passagem da serra obstáculos insuperáveis, voltaram e foram capturados. Todos conhecem o espanhol e a língua geral.
Notei, porém, que, quando falam esta última língua, utilizam vocábulos às vezes diferentes dos que se acham consignados no dicionário dos jesuítas.

TORRES, 6 de junho. – Fiquei de tal maneira fatigado pelas duras jornadas anteriores, que exigi de meu guia a permanência aqui, por um dia. Aproveitei para pôr em ordem minhas coleções e passear pelos montes de nominados Torres.
Tendo já descrito uma parte que fica ao norte, vou concluí-la. É alongado, desigual e quase totalmente coberto de relva; o avanço que faz para o mar é arredondado como uma torre; oferece às ondas uma muralha de rochedos cortados a pique e termina por um terraço onde vegeta uma erva rasteira. Pelos flancos do monte crescem, em alguns lugares, duas espécies de  cactus, um grande eryngium, bromeliáceas e arbustos, entre os quais reconheci, com surpresa, a mirtácea denominada pitanga, que nunca tinha visto nesta costa.
O mais meridional dos dois montes principais está situado a algumas centenas de passos do primeiro; avança bastante pelo mar adentro, porém não apresenta forma regular e quase por toda parte é coberto de relva. Do lado do mar, igual mente escarpado, exibe uma chanfradura profunda, onde as ondas vêm quebrar-se contra as negras rochas.
À entrada dessa chanfradura, do lado norte, há uma enorme caverna onde dificilmente se entraria, por causa do mar e da direção vertical dos rochedos.
Além desse último monte, vê-se ainda um terceiro, muito me nos importante que os dois outros, com o feitio de uma albarda, sendo quase todo coberto de relva. Na frente, um roche do exatamente paralelo ao seu corte, configurando uma inacessível muralha íngreme.
É do primeiro dos três montes que se frui o mais agradável panorama; pois dele se avista, ao mesmo tempo, o alto-mar e o lago de água doce de que falei ontem.

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